Agonia do Belas Artes – Agonia de Santa Ifigênia

Reproduzo a seguir o post do blog de André Barcinski da Folha, em que ele faz uma belíssima leitura da agonia do Cine Belas Artes comparando-o com o bairro de Santa Ifigênia, também em agonia.


A última sessão de cinema
Fim de semana passado, resolvi visitar um amigo moribundo, que está com os dias contados: o cinema Belas Artes.
Para falar a verdade, ele não está moribundo. Está até muito bem: limpinho, cheiroso e confortável. Mas tem data certa pra morrer: 27 de janeiro.
Fui assistir a “Medos Privados em Lugares Públicos”, de Alain Resnais, que está passando no Belas Artes há anos.
Não gosto nada do filme, mas foi reconfortante assistir a uma cópia em película. Tem alguma coisa naquele barulho de projetor rodando que alegra meu coração. Fiquei feliz até com as marquinhas e falhas na imagem, que provam que aquela experiência já foi compartilhada por outras pessoas.  
Nada no prédio indicava que ele estava prestes a bater as botas. As sessões estavam cheias, os cinéfilos discutiam os filmes na fila, e os funcionários trabalhavam como sempre.
Mas havia uma certa melancolia no ar.
O Belas Artes, para que não sabe, é um dos últimos cinemas de rua de Sâo Paulo. O que significa que não é necessário entrar num shopping ou passar por uma praça de alimentação para chegar a ele.
Acontece que cinemas de rua estão condenados a morrer. Conversei com um dono de cinema outro dia, e ele me explicou que salas de shopping pagam aluguéis bem mais baratos que as de rua. A explicação é simples: shoppings querem ter cinemas, porque atraem público. Alguns shoppings, disse ele, nem cobram aluguel dos cinemas.
Ontem, li que o Condephaat quer tombar o Belas Artes e evitar seu fechamento. Torço para que isso aconteça. Mas fico triste ao perceber que TODAS as soluções de nossa cidade, mesmo as boas, têm um quê de “jeitinho brasileiro”.
Não seria melhor ter uma política pública eficiente, que ajudasse cinemas e teatros, em vez de precisar apelar à bondade do Condephaat? E os milhares de prédios antigos e historicamente relevantes que não tiveram a sorte do Belas Artes?
Dois dias antes, eu tinha ido almoçar num boteco antigo na região de Santa Ifigênia, centro de Sâo Paulo.
A área está no meio de um processo de “revitalização”. O que significa que a Prefeitura está derrubando dezenas de prédios antigos para dar lugar a novas construções que, dizem, vai ressuscitar a área.
Andando pela Santa Ifigênia, vi vários cartazes de protesto. Um deles dizia: “Os nóias desvalorizam pra Prefeitura comprar”.
No fundo, no fundo, é isso mesmo.
A região chegou a um nível tão baixo de humanidade, com crackeiros fumando à luz do dia, famílias inteiras vagando como zumbis pelas ruas e crianças roubando pedestres para comprar droga, que a solução parece ser mesmo acabar com tudo aquilo e começar de novo.
Será mesmo? Lembro do caso de uma região do centro do Rio de Janeiro, próxima à Candelária, que foi totalmente revitalizada depois da inauguração do Centro Cultural Banco do Brasil.
Eu sempre andei pelo centro do Rio, e posso atestar como aquela região mudou depois do CCBB: mais gente ocupando as ruas, mais restaurantes, mais vida (em contrapartida, o Banco do Brasil conseguiu montar uma agência no prédio lindo onde funcionava a Confeitaria Colombo, em Copacabana).
Será que a única solução para a região da Luz (ou Nova Luz, como chama a Prefeitura) é destruir quarteirões, erguer prédios novos, e expulsar os crackeiros simplesmente ocupando a área?
Não sou urbanista, mas sei que aquela região tem prédios antigos lindíssimos. Imagina só o Centro de Sâo Paulo limpo e bem cuidado. Quantas pessoas não iriam querer passar um final de semana hospedadas lá? Imagine: chegar à cidade de trem, pela Estação da Luz, visitar o Mercado Municipal, o Teatro Municipal e a Sala Sâo Paulo? Eu iria.
Só tenho medo de que a “Nova Luz” se transforme numa Nova Berrini. Desconfio que as áreas vão ser dadas a preço de banana para empreiteiras e corporações faturarem ainda mais com especulação. Torço para que isso não aconteça.

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